Antonia: uma sinfonia está disponível em streaming pela Netflix e uma aluna querida me recomendou a assistir! Lançado no final de 2019, é dirigido por Maria Peters e inspirado na vida de Antonia Brico (1902 - 1989), nascida na Holanda e radicada nos Estados Unidos, buscou desenvolver uma carreira profissional de regente, algo que era extremamente incomum para mulheres no meio musical, se posicionando como uma das primeiras regentes/maestrinas mulheres e a primeira a reger a Orquestra Filarmônica de Berlim na década de 1930.
Não é um filme biográfico, apesar de muitas características e acontecimentos em comum com a Antônia Brico real. Não consegui informações suficientes para confirmar que a história pessoal dela é caracterizada no filme, tudo indica que há pontos em comum. Parece-me que esta forma de contar a história é um recurso para sentirmos que o triunfo dela, ao final do filme, é grandioso e cada conquista dela é inestimável para todas as mulheres. Um filme com este enredo é maravilhoso! Não é à toa que está tão famoso, precisamos mostrar as dificuldades de ser mulher e ser minoria em ambientes da vida privada, educacionais e profissionais e a música não é exceção.
Confesso que fiquei emocionada ao final pelas conquistas de Antônia e a resiliência dela diante de tantas dificuldades não pelo filme em si, mas ao que o filme deu acesso, que é saber da existência da regente. Ela representa tantas mulheres que lutam por um espaço que já seu por direito.
O filme ganha ritmo na medida em que fica mais claro a decisão de Antonia dedicar-se plenamente à música e escolhe não casar. Até fica mais interessante quando mergulha de vez no ambiente musical, de aulas e ensaios. Mas creio que esta "argumentação" acabou esvaziando ao início quem era a personagem e só realmente iremos conhecer um pouco mais a Antonia quando ela já está imersa num ambiente musical de estudo e trabalho. Talvez a valorização da mulher seja tão difícil de lidar até no próprio cinema, que é necessário apresentar situações estereotipadas para dizer que as mulheres conseguem, mesmo no impossível.
Com a licença poética de contar uma história, o filme se vale de metáforas como a amizade com Robin Jones e o relacionamento amoroso com Franck Thomsen, um jovem que a demite do emprego de lanterninha do teatro pela ousadia de sentar perto do palco para estudar a regência do maestro. Só que se apaixona por ela ao conhecê-la de perto e perceber sua paixão pela música e pela vida.
Robin Jones se torna amigo de Antônia, também é músico e a emprega como pianista do seu cabaré. Diante das dificuldades, ele a acolhe e promove o seu crescimento profissional como pode. Revelações sobre sua sexualidade simbolizam o fortalecimento das minorias pelo apoio mútuo. Sem sombra de dúvida, o melhor personagem do filme!
Do pouco que pesquisei até agora, é difícil saber se estas pessoas existiram, se você souber, me escreva! O assédio e a misoginia dos professores de música transformam a dificuldade de Antonia na dificuldade que todas as mulheres podem passar e passam na construção de uma carreira profissional. Apesar disso, também mostra a diferença
de postura de um professor que acredita e dá forças para que Antônia acredite em si mesma e no sonho dela.
Mas a força de vontade de querer aprender regência, independente das circunstâncias, é o que fica de mais positivo neste filme. Em todo momento, ela não desistiu da música, o que na verdade ela não desistiu dela mesma, mesmo sem piano, mesmo com uma tecla.
Em meio a pontos positivos, é visível que provavelmente a vida da Antonia Brico não foi assim e não é o caso de um filme biográfico, mas inspirado na vida real. Caso você queira ver a Antônia Brico regendo e contando histórias, recomendo o documentário Antonia: a portrait of the woman.
A própria maestrina nos conta como começou a estudar piano: por recomendação médica! Aos 10 anos, foi levada ao médico porque roía muito as unhas e ele sugeriu colocá-la em aulas de piano. É claro que aula de piano não é tratamento médico e nem sabemos se funcionou, mas foi positivo para a vida dela a descoberta do piano.
Outra coisa que não fica evidente no filme, é que ela estudou na universidade de Berkley, na Califórnia, antes de ir para Europa estudar regência. A educação musical que emerge no filme levanta uma interessante discussão, já que a música geralmente era instrumentalizada para conseguir um bom casamento para a família da mulher. Uma pena que isto não foi levantado pelo filme diretamente que se utilizou da negação do casamento como decisão de carreira profissional, sem levantar o peso cultural que se impõe às mulheres que estudam música. Isto é muito mais complexo, porque não era e nem é negado às mulheres estudar música, mas qual era a função da música na vida delas?
Para muitas mulheres, a música foi libertadora porque era um espaço de expressão pessoal, às vezes o único. Como professoras de música, era trabalho que gerava independência e fonte de renda, que nem havia possibilidade no ambiente doméstico.
Uma pena isto não ter sido abordado no filme. Além disso, por mais que o meio musical inibisse o protagonismo da performance e da educação musical às mulheres, a música foi e é um instrumento poderoso às que puderam utilizá-la e a consideraram como uma necessidade básica de sobrevivência. Sem essa urgência, não haveria Antônia Brico, que escolheu a música simplesmente porque precisava respirar.
Referências (consultados em 22/08/2021):
https://archive.org/details/antoniaaportraitofthewoman
https://www.encyclopedia.com/women/encyclopedias-almanacs-transcripts-and-maps/brico-antonia-1902-1989
O filme é muito bom